3 de janeiro de 2011

A PALAVRA É ORGULHO!




O projeto LITERATURA E CINEMA NA FORMAÇÃO HUMANA encerrou oficialmente, no dia 31 de dezembro de 2010, suas atividades. E a palavra mais apropriada é, sem nenhuma dúvida, orgulho.

Este projeto, desenvolvido na cidade de São Mateus do Sul, pertence ao Programa Universidade sem Fronteiras, que se distribui em oito subprogramas, entre eles o que nos acolheu: Apoio às Licenciaturas.

Somos um grupo de nove pessoas que, ao longo de três anos, desde que o Programa USF foi criado, portanto, empenhou-se em manter unidos os três pilares que fazem com que uma universidade exista e se justifique perante a comunidade que a sustenta: ensino, pesquisa e extensão.

Criado e desenvolvido por professoras do Departamento de Letras Vernáculas da UEPG, o projeto visou, assim como o curso de Letras, a formação de docentes que se concebam como pesquisadores permanentes. Isso explica porque, embora gestado como um projeto de extensão, sempre houve uma preocupação em manter um grupo de estudos que produzisse trabalhos acadêmicos apresentados e publicados em diversos eventos. Da mesma forma, a feitura de textos para o blog também foi pensada como um exercício permanente de embate com o conhecimento e com a escrita.

Essas leituras e estudos resultaram em intervenções diretas na comunidade de São Mateus do Sul, através, sobretudo, dos dois colégios públicos que nos receberam durante todo o período de execução do projeto: Colégio São Mateus do Sul e Colégio Duque de Caxias. A partir das atividades com os alunos desses dois colégios, procuramos atingir a comunidade toda. Assim, promovemos dois Festivais de Literatura e Cinema (cuja premiação aos autores dos trabalhos mais votados foi um passeio cultural na cidade de Ponta Grossa), Mostra de Cinema, Ciclo de Discussões sobre Literatura e Cinema e o I Dia da Cultura sem Fronteiras (há informes e fotos de todas essas atividades aqui no blog). Participamos também, como convidados, do cursinho pré-vestibular mantido no Colégio Duque de Caxias e do projeto Vamos ler, promovido pelo Jornal da Manhã.

As dificuldades e os entraves foram muitos, desde as infelizmente corriqueiras questões logísticas de transporte e compra de materiais, por exemplo, até as mais espinhosas, como tentar convencer as pessoas de que a literatura e o cinema ocupam sim lugares importantes na vida de todos nós (mesmo daqueles que não se dão conta disso).

Por outro lado, as alegrias ganharam com vasta vantagem. Fomos (e ao que tudo indica continuaremos sendo, mesmo sem o projeto) um grupo que fica melhor definido como uma união feliz de pessoas que se respeitam. Em meio a tantas viagens, planos de aula, textos lidos e discutidos, filmes assistidos, construímos uma sólida relação da qual certamente todos nos orgulhamos.

No papel (nem sempre confortável, admito) de coordenadora do projeto, registro publicamente minha satisfação por ter contribuído na formação de todos os acadêmicos e egressas que por aqui passaram, e por ter, eu mesma, aprendido muito.

Reitero minha plena convicção de que se queremos que haja alguma modificação no modo como se concebe o ‘ser professor’, é preciso que ela parta, primeiramente, de nós mesmos. Nossas atitudes e nosso modo de expressar o que pensamos sobre a escolha que fizemos contam muito. Contam também a criação e manutenção permanente de espaços que viabilizam a reflexão, a discussão sobre as condições de trabalho para todos nós, assim como sobre os desafios que precisam ser enfrentados juntamente com a sociedade.

Não devemos, creio, vender a desgastada idéia da “vocação” que tornaria a docência um sacerdócio desapegado dos bens materiais e voltado apenas a um envolvimento pessoal inespecífico e nada profissional com os estudantes.

Pelo contrário, é preciso manter na pauta a discussão fundamental sobre a indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, mostrando que, se não há verdades absolutas, também não pode existir relativização completa do saber – é preciso que o conhecimento de caráter científico seja a base também da formação humana, reconhecendo que o professor deve, antes de tudo, ser um produtor de conhecimento, capaz de fazer avançar sua área de atuação.

Somente abandonando a figura passiva de engrenagem insignificante dos mecanismos de reprodução social, o docente pode voltar a ocupar o imaginário dessa mesma sociedade como paradigma e não mais como vítima ou exemplo profissionalmente negativo.

Essa foi a postura que,ao menos assim acredito, norteou nosso trabalho, desde 2007.

Meus agradecimentos a todos os apoiadores do projeto: UEPG, SETI, PROEX, Fundação Cultural de São Mateus do Sul, Colégio São Mateus e Colégio Duque de Caxias, mas em especial às pessoas que se comprometeram diretamente e cujos nomes são muitos para serem aqui citados. Foram esses os que se importaram e fizeram toda a diferença, inclusive para que o projeto fosse premiado três vezes, nos três anos em que existiu.

E para que se registre com justiça, lembro a todos que a ideia que originou este projeto, gestado em uma fria madrugada pontagrossense, foi da professora Silvana Oliveira, colega de trabalho a quem este projeto deve sua existência, portanto.

Orgulho-me de ter partilhado com ela e com todo o grupo disso que agora é parte do que somos, da história de cada um de nós e de cada um que conseguimos, de alguma forma, tocar em São Mateus do Sul. Modificamos e fomos modificados e ter consciência disso é fundamental para que faça sentido.

Meu orgulho especificado:

Katrym e Bruno (hoje mestrandos), que estiveram aqui desde que tudo começou e sobreviveram a todos os tropeços.

Ana e Amanda (também mestrandas), Kleber e Ramon (hoje alunos do terceiro ano), que chegaram depois e se tornaram valiosíssimos colaboradores.

Marly e Silvana, companheiras de trabalho no Departamento, de agruras e alegrias.

Vera, Carlos, Zenilda, Ana Elisa, Cláudia, Angelis e Andressa que também estiveram por aqui, contribuindo.

Seguimos, se possível, TRANSTORNANDO O INCERTO!!

Profª Rosana Apolonia Harmuch

Obs.: o blog e o nosso twitter permanecem para eventuais colaborações e quiçá nova edição do projeto em 2011...

29 de dezembro de 2010

O LOBO INTERIOR


A famosa obra O Lobo da Estepe que consagrou o escritor Hermann Hesse como um dos maiores romancistas do século passado é inovadora e audaciosa. Publicada pela primeira vez em 1927, o livro do escritor alemão se utiliza em argumentos das descobertas de Sigmund Freud.

Suas estratégias fazem com que ouçamos atentamente nosso lobo interno ecoando nos ouvidos. Perturbador e profundo, conta a história em primeira pessoa de Harry Haller em manuscritos deixados por um vizinho seu. Por falar em manuscrito, o prefácio é escrito pelo então vizinho de Harry que se faz editor e aponta atentamente para a veracidade dos fatos que serão exibidos, estratégia que dialoga com o leitor e tenta apimentar e confundir o menos atento da veracidade do conteúdo ali exposto.

O livro é dividido em três partes. A primeira, e já mencionada, é o prefácio do editor, a segunda Anotações de Harry Haller -só para loucos na qual Harry inicia a sua narrativa de um curto período de sua vida em que esteve vivendo naquele apartamento vizinho do então “editor”. O comentário escrito abaixo do titulo “só para loucos” não é por acaso, pois Harry é visto e interpretado naquela sociedade como louco, já que tenta fugir insistentemente do modo burguês de se viver. E eis outra característica forte desta obra: a denuncia à sociedade burguesa, as criticas feitas são ferozes e irônicas.

Sua narrativa misteriosa e inusitada segue até que encontra, o que então intitularemos de terceira parte, o Tratado do Lobo da Estepe, no qual encontra um tratado sobre sua própria pessoa e modo de ser, fato que o deixa, no mínimo instigado.

Além das denuncias à sociedade burguesa e de todas as fortes qualidades da obra que a aponta como literatura de qualidade, o enredo traz ainda reflexões profundíssimas como a questão da existência de inúmeros seres dentro de uma única individualidade, do lado lobo do homem, questões filosóficas ainda sobre música, sobre comportamento humano, liberdade.

Algumas edições mais recentes trazem em anexo uma nota do autor, na qual o autor expõe sua preocupada opinião sobre as interpretações do livro, abaixo transcrevo, polemicamente, um trecho da opinião do autor no qual fala de sua “pretensão”:

“Mas, entre leitores da minha própria idade, também tenho encontrado com freqüência alguns que – embora bem impressionados com o livro – só percebem estranhamente apenas uma parte do que pretendi. Tais leitores, ao que me parece, reconheceram-se no Lobo da Estepe, identificaram-se com ele, sofreram suas dores e sonharam os seus sonhos; mas não deram o devido valor ao fato de que este livro fala e trata também de outras coisas, além de Harry Haller e de seus problemas, que fala a propósito de um outro mundo mais elevado e indestrutível, muito acima daquele em que transcorre a problemática vida de meu personagem. O Tratado do Lobo da Estepe e outros trechos do livro que versam questões do espírito abordam assuntos de arte e mencionam os “imortais”, opõem-se ao mundo sofredor do Lobo da Estepe com a afirmativa de um mundo de fé, sereno, multipersonalístico e atemporal. O livro trata, sem duvida alguma, de sofrimentos e necessidades, mas mesmo assim não é o livro de um homem em desespero, mas o de um homem que crê.

É claro que não posso nem pretendo dizer aos meus leitores como devem entender a minha historia. Que cada um nele encontre aquilo que lhe possa ferir a corda intima e o que lhe seja de alguma utilidade! [...]”

Fica a dica, mas lembrem-se: 1) Só para loucos e 2)cuidado com o Lobo da Estepe!

Ana Carla Bellon

Ref. HESSE, Hermann. O Lobo da Estepe. Trad: Ivo Barroso, ed: Record, 15° edição, 1995.

28 de dezembro de 2010

LISTAS

Com a proximidade do final do ano surgem diversas retrospectivas e listas acerca dos acontecimentos do ano, inclusive relacionadas ao cinema. Admito que adoro essas listas porque acho que valem a pena para concordar, discordar ou mesmo para aproveitar as dicas e  ir atrás daquele filme que você ainda não assistiu pra ver se realmente “mereceu” estar ali.

Aproveito para sugerir algumas dessa listas, alguma aliás valem a pena só pela criatividade, como é o caso dessa:

Site lista filmes de 2010 que serão fáceis de esquecer no futuro

Além das já clássicas:

Conheça os filmes que mais arrecadaram em 2010

G1 elege os destaques - e o mico - do cinema em 2010

'Avatar' é o filme mais baixado na internet em 2010

Retrospectiva 2010: Os melhores filmes do ano por críticos

Os poucos sucessos e os muitos fracassos do cinema brasileiro

 

Katrym

22 de dezembro de 2010

FELIZ NATAL

Ao longo de várias recentes produções do cinema nacional, Selton Mello consagrou-se como um dos melhores e mais versáteis atores de sua geração. Além disso, o ator já participou do processo de criação de dois filmes: Lavoura Arcaica, de Luís Fernando Carvalho e O Cheiro do Ralo, de Heitor Dhalia, nos quais também atuou.

Em 2008, Selton Mello estreou como diretor com Feliz Natal. Com um elenco formado por Leonardo Medeiros, Darlene Glória, Graziella Moretto, Paulo Guarnieri e Lúcio Mauro e com um roteiro cortado, uma fotografia escura e sombria, uma câmera que se aproxima dos corpos como se fosse possível tocá-los e uma trilha sonora dramática, o filme deve ser visto.




Durante a noite de Natal, Caio (Leornado Medeiros) que é dono de um ferro velho resolve viajar e visitar a família que não vê há alguns anos. Antes mesmo da chegada do personagem a casa da família, o filme nos leva a reflexão e inquietação com as cenas de sua viagem.

Quando da chegada a festa de Natal, o filme penetra em um universo de uma família repleta de conflitos, dramas, situações mal-resolvidas, pessoas que não reconhecem mais a si mesmas nem a seus entes, enfim em um contexto de uma família disfuncional e fragmentada.

Com a chegada de Caio, toda essa problemática vem a tona como erupções, devastando, mas ou mesmo tempo recriando a vida de cada personagem, que de uma forma ou outra passa a questionar sua existência e experiência na vida.

Talvez não seja este o filme mais indicado pra se assistir na noite de Natal com a família, até porque a todo o momento o filme, que além de produzir uma catarse em seus personagens, o faz também nos espectadores. Fica a dica!

Amanda Cieslak

Walter Salles conta o que sentiu ao ler On the Road pela primeira vez

 

      Trabalhando incansavelmente para levar aos cinemas um dos maiores clássicos da geração beat:On the road, Salles respondeu sobre as impressões que teve na sua primeira leitura e o que ele pensa da tradução brasileira.


Chris Felver

 

Quantos anos você tinha quando leu On the Road pela primeira vez? E o que sentiu?
W.S.: Tinha dezoito anos e me lembro ainda hoje de como fiquei impactado por aquela primeira leitura. Havia muito mais desejo de experimentação e de transgressão em On the road do que em qualquer outra narrativa que eu tinha lido até ali - incluindo “O Apanhador no Campo do Centeio”, do Salinger, que eu também tinha adorado com quinze, dezesseis anos. Voltei ao livro várias vezes, inclusive antes de dirigir “Diários de Motocicleta”. Mais recentemente, descobri a versão original escrita por Kerouac, ainda mais livre e radical do que a versão editada em 1957. Não é difícil entender porque: durante os anos 50, os Estados Unidos viviam os anos negros do mccarthismo. Um exemplo: nos primeiros romances de Norman Mailer como “The Naked and the Dead”, os personagens não podiam dizer “fuck you, man”, Mailer era obrigado a escrever “fug you, man”. Kerouac foi vítima dessa mesma censura, que o poeta Michael Mc Clure chama de “censorship of the language”. A violência emocional na versão original de On the Road também vai além daquela presente na versão publicada nos final dos anos 50.

Desde que leu o livro pensava em adaptar a obra para o cinema?
W.S.: Não, de forma alguma... a própria possibilidade de fazer cinema era algo distante naquele momento. Aos dezessete, dezoito anos, eu estava mais interessado na fotografia do que na imagem em movimento. Cartier Bresson, Kertez, Doisneau e Kudelka eram os pontos de referência... Aos poucos, fui passando da fotografia para o documentário, e deste para a ficção. E entre um ou outro trabalho no cinema, ainda volto para minha velha Leica com uma única lente, a 50mm.

E você leu a tradução brasileira? O que acha dela?
W.S.: Nasci em 1956, um ano antes da publicação de On the Road. Se tivesse algumas décadas a menos, teria descoberto On the Roadna versão brasileira. A tradução é ótima, aliás... viva, com a musicalidade do texto original, o que não era nada fácil de atingir. A introdução de Eduardo Bueno na versão brasileira é muito boa... melhor e mais instigante do que os textos que acompanham a versão do “scroll” que saiu no original.

On the Road, o filme, é uma estrada sem fim ou tortuosa?
W.S.: A exemplo de “Diários de Motocicleta”, o projeto de On the Road já teve tantas encarnações que uma resposta definitiva só poderá ser dada quando a claquete do último plano da filmagem for batida. O que pode tornar o filme possível é a paixão de uma produtora independente francesa, a MK2, pelo projeto, e a fidelidade dos atores que convidei para fazer parte do processo em 2008. Mas novamente, certeza mesmo, só quando as filmagens forem terminadas e o filme for projetado na tela do cinema...

 

 

Kleber