23 de abril de 2009

Um romance na terra da ruptura



O amor entre uma criatura mágica e um homem habitante da Vila do Muro deu fruto a um jovem meio mágico meio homem, que entre a juventude e a idade adulta saiu em busca do desejo do seu coração, seu nome é Tristan Thorn.

Uma história em uma floresta mágica com feiticeiras, príncipes traiçoeiros, piratas voadores e um amor celestial. Mas muito mais do que isso envolve crítica e um gênero inovado: o conto de fadas para adultos. O escritor Neil Gaiman, dotado de muita criatividade, reflete sobre clichês e o fazer literário dentro deste magnífico romance intitulado “Stardust – Um romance na terra das fadas”.

“E foram felizes para sempre...” quem já não ouviu este final em qualquer conto de fadas e sentiu-se satisfeito? Gaiman não se deu por satisfeito e rompeu com o tradicional anunciando em seu epílogo assinado por ele mesmo: “Tristan e Yvaine foram felizes. Não para sempre, porque o Tempo, esse ladrão, no final acaba levando todas as coisas, mas foram felizes por longo tempo”.(p.213).

Gaiman, ainda, ascende ao texto em certa altura quando o herói, pouco tradicional, tenta conseguir um beijo da amada: “Ele tremeu. Seu paletó era fino e estava claro que ele não conseguiria aquele beijo, e achava aquilo muito estranho: os heróis másculos dos romances baratos nunca tinham problema para conseguir beijos”.(p.47).

Para melhor definir o gênero, Gaiman contou com uma ilustre ajuda: o desenhista Charles Vess, que ilustrou todo a historia composta pelo escritor. Neil nos situa no tempo em que passa a historia de Tristan com referencias inusitadas como, por exemplo, “Charles Dickens escrevia seu romance Oliver Twist; Draper acabara de tirar uma fotografia da lua, congelando seu rosto pálido pela primeira vez no papel; Morse anunciara havia pouco uma forma de transmitir mensagens através de cabos de metal “(p.9)

Como era de se esperar, o diretor Matthew Vaughn adaptou a obra para o cinema, na qual o escritor fez questão de se envolver profundamente e, como o filme sofreu várias adaptações, Gaiman fez questão de ressaltar em entrevista ao Ugo.com: “[...] Mas você sabe, livros e filmes são muito diferentes. Filmes ocorrem em tempo real, eles são uma experiência única, eles levam duas horas para acontecer [...] Com o livro, você tem uma experiência peculiar através da cabeça de alguém. Você sabe, você escreveu alguma coisa, mas você somente usou palavras e agora eles estão fazendo seus próprios filmes em suas cabeças [...].”

Esta é mais uma dica para os transtornados de plantão! Além de, no filme, nos divertirmos muito com Michelle Pfeiffer como feiticeira malvada e Robert de Niro no papel de um capitão muito boa pinta!




Ficha Técnica

Título Original: Stardust

Gênero: Aventura

Ano: EUA/Inglaterra - 2007

Distribuidora: Paramount Pictures / UIP

Direção: Matthew VaughnRoteiro: Jane Goldman e Matthew Vaighn, baseado em graphic novel de Neil Gaiman


referencia livro:
GAIMAN, Neil. Stardust/ escrito por Neil Gaiman; diagramação de Defin e Marcelo Ramos Rodrigues; ilustrado por Charles Vess; tradução Marcelo Barbao; editores Odair Braz Junior e Cassius Nedauar. – Rio de Janeiro: Pixel Media, 2007.


Ana Carla Bellon

16 de abril de 2009

Os trabalhadores do Mar: trabalho pela vida

Segundo Victor Hugo, o homem possui três necessidades por quais ele precisa lutar e, portanto, três lutas a serem cumpridas. Em cada uma de seus livros A Notre-Dame de Paris, Os Miseráveis e Os trabalhadores do mar, o autor pretende expor cada uma dessas lutas e necessidades.

"A religião, a sociedade, a natureza: são as três lutas do homem. Estas três lutas são ao mesmo tempo as suas três necessidades; precisa crer, daí o tempo; precisa criar, daí a cidade; precisa viver, daí a charrua e o navio. Mas há três guerras nestas três soluções. Sai de todas a misteriosa dificuldade da vida. O homem tem de lutar com o obstáculo sob a forma de superstição, sob a forma preconceito e sob a forma elemento.” (p. 17)


Certa vez fui presenteada com Os trabalhadores do mar, de onde retirei a citação. Já esperava que fosse um bom livro, pois se trata de um clássico, mas me surpreendi descobrindo nele um dos melhores de todos os que li. Havia momentos em que ria muito e outros em que chorei emocionada com a situação.

Logo no início da leitura, o que mais chamou a atenção foi a posição do narrador, que assume a voz do povo, do senso comum, conhecendo o protagonista Gilliatt ao mesmo tempo que os leitores, compartilhando das mesmas dúvidas das demais personagens que conviviam com ele.

“Não estava fixa a opinião a respeito de Gilliatt.
Geralmente era tido por marcou. Outros acreditavam mesmo que fosse filho do diabo.
Quando uma mulher tem, do mesmo homem, sete filhos machos consecutivos, o sétimo é marcou. Mas, para isso, é necesário que nenhuma filha venha interromper a série dos rapazes...” (p.36)


Esse tipo de comentário esta presente em todo o romance, até o momento em que Gilliatt se apaixona. Depois disso, passamos a acompanhar e até sentir o sofrimento de Gilliat e sua luta pela vida, pela continuidade até o último momento.

Para não tirar o desejo de leitura, transcrevo mais um parágrafo, dos últimos do livro:

“Aqueles olhos fixos não se pareciam com coisa alguma que se possa ver na terra. Havia o inexprimível naquela pálpebra trágica e calma. O olhar tinha toda a soma de tranquilidade que deixa o sonho abortado; era a aceitação lúgubre de outro complemento. Uma figa de estrela deve ser acompanhada por olhares semelhantes. De quando em quando a obscuridade celeste aparecia naquela pálpebra cujo raio visual estava fixo num ponto do espaço. Ao mesmo tempo em que a água infinita subia à roda do rochedo Gild-Hom-‘Ur, ia subindo a imensa tranquilidade nos olhos profundos de Gilliat”(p. 365)



Um pouco sobre o autor: Poeta, dramaturgo e romancista, Victor Hugo é um dos mais importantes escritores franceses do período romântico. Terceiro filho de um major que, mais tarde, se tornaria um general do exército napoleónico, Victor Hugo passou a sua infância entre Paris, Nápoles e Madrid, consoante as viagens do pai. Em 1921, ano do seu casamento com uma amiga de infância, Adèle Foucher, publicou o seu primeiro livro de poemas, Odes et poésies diverses, com o qual ganhou uma pensão, concedida por Louis XVIII. Um ano mais tarde publicaria o seu primeiro romance, Han s’Islande.Os seus livros mais conhecidos são Notre-Dame de Paris (1831), O Corcunda de Notre-Dame e Os Miseráveis (1862). No final da sua vida, Victor Hugo foi político, deixando notáveis ensaios nesta área. Morreu em Paris, em 1885.


Edição Utilizada:
HUGO, Victor. Os trabalhadores do mar. Trad. Machado de Assis. . São Paulo: Nova Cultural, 2003.
  • Angelis Cristina Soistak

7 de abril de 2009

Uma boa história para contar: Gabriel García Márquez



" Uma realidade que não é a do papel, mas a que vive com a gente e determina cada instante de nossas incontáveis mortes cotidianas"

Gabriel Gárcia Márquez


Lembro perfeitamente a primeira vez que tive contato com uma obra de Gabriel García Márquez: foi em um dos andares Biblioteca Pública do Paraná, creio que seja no 2ºandar. A minha procura por Márquez aconteceu após escutar do professor em uma aula de Geografia sobre o ativismo político do escritor. Sem muito saber sobre prazer literário, puramente em nome de uma insistência juvenil (curiosidade), me deparei com Cem Anos de Solidão – sua obra prima, uma das maiores obras da Literatura do século XX. O livro estava em uma estante central, ao lado de outras obras literárias, como Memórias Póstumas de Brás Cubas, que na época eu ainda não tinha lido, a minha caretice juvenil não entendia a escrita machadiana.

Ainda em pé, comecei a folhar as primeiras páginas do romance, estava impressionado com o livro - até este momento estava mais impressionado com a linda capa verde com detalhes em amarelo e sobretudo com a militância política do autor - exilado no México em decorrência da acusação de colaboração com a guerrilha colombiana. Tudo o que eu mais queria naquela manhã era fazer o empréstimo do livro, porém, a " inocência juvenil" se perguntava - o que meus amigos vão pensar? Como um personagem fantástico da literatura de García Márquez, resolvi tomar a atitude de efetivar o empréstimo da obra.

Muitas páginas lidas da literatura de Márquez, muitos anos depois, durante a leitura de um novo romance - O Filho Eterno, do Tezza, de costas para o televisor, escutei a chamada sobre Gabriel García Márquez - o lado amante incondicional da literatura se estampa de felicidade - deve ser sobre o lançamento de alguma obra, ou mesmo, uma biografia sobre o Gabo. Em menos de dois minutos o extase feliz, se resume a cabisbaixo escutar sobre a aposentadoria de Gabriel Gárcia Márquez. Pensa - não pode ser, injustiça com a literatura, faz confidências e esbraveja cercado no singular preso entre as paredes do quarto. O estranhamento causado pela notícia da aposentadoria do escritor colombiano, provocou um silêncio que chegou a interromper a leitura do romance naquele instante. O silêncio foi totalmente involuntário, talvez uma extensão da própria personalidade do escritor colombiano - um solitário confesso.

O anuncio da aposentadoria de Márquez me provocou um estranhamento, digno dos 18 anos de dedicação do escritor para a publicação de Cem Anos de Solidão, talvez, fruto do sentimentalismo exarcebado em saber que o realismo fantástico de Gabriel García Márquez vai deixar de proporcionar novas publicações. Simultaneamente a este sentimento extramente romanesco, percebi que Gabriel García Márquez não precisa de mais nenhuma obra inédita, pois, o ineditismo em sua produção literária poderia ser uma forma de comparar sua produção passada com uma eventual atual - um argumento certamente hipotético - constata no dia seguinte.

O autor ao longo de sua carreira - ainda não concluida, afinal o escritor colombiano sempre tem uma ótima história a nos contar, publicou 26 romances, entre eles – Ninguém Escreve ao Coronel (1961), Cem Anos de Solidão(1967), O Outono do Patriarca(1975), Crônica de uma morte anunciada, O Amor nos Tempos do Cólera(1985) e Memórias de Minhas Putas Tristes (2005). Também foi ganhador do Nobel de Literatura em 1982 – com Cem Anos de Solidão. Além disso o autor teve alguns dos seus romances adaptados para o cinema - Crônica de uma morte anunciada, O Amor nos Tempos do Cólera e seu último trabalho até o momento - Memórias de Minhas Putas Tristes será o próximo a ser lançado.

Ao contrario do primeiro contato com uma obra do escritor colombiano na Biblioteca Pública do Paraná, o contato com a última aconteceu há pouco mais de dois anos, quando já não fazia mais parte do circulo dos insistentes juvenis. Descobri em Memórias de Minhas Putas Tristes que não precisava me preocupar com o que meus amigos iriam falar, até porque, eu falaria aos meus amigos – com 90 anos ainda podemos e devemos sentir desejos.

Ao voltar encontrar as lembranças do primeiro contato com Gabriel García Márquez, percebo que naquele momento fugi do lugar comum - em um lapso digno de quem não entendia direito o que acontecia, segurava uma obra vencedora de um Nobel de Literatura,que poderia ter ficado distante da minha leitura não fosse a
minha " insistência juvenil".

Com a aposentadoria de Gabriel García Márquez a literatura perde muitíssimo, porém, a vida ganha – chega a ser estranho pensar assim, mas para quem sempre escreveu sobre ensaios do que a vida representa, chegou a hora, da vida vê-lo com a mesma atenção que ele sempre a olhou.

Bruno Scuissiatto