29 de janeiro de 2010

apanhador_centeio Aos 91 anos, morre escritor J.D. Salinger

Americano é autor de "O Apanhador no Campo de Centeio" (51), um dos livros mais influentes do pós-Guerra
Desde os anos 50 vivia recluso em Cornish, New Hampshire (EUA); último trabalho foi publicado em revista, em 1965


Morreu anteontem J.D. Salinger, 91, um dos grandes mitos da literatura do século 20, autor do célebre "O Apanhador no Campo de Centeio" (1951). Morava recluso há décadas. Vivia em Cornish, uma pequena cidade de menos de mil habitantes em New Hampshire (Estados Unidos). Desde 1965 não publicava novas histórias. A morte, de causas naturais, foi anunciada ontem por seus agentes.
A aversão à exposição pública fez crescer o mito de Salinger ao longo dos anos, uma reclusão compartilhada por outros mitos da literatura americana, como Thomas Pynchon.
Jerome David Salinger nasceu em 1º de janeiro de 1919. Sua vida era cercada de mistérios. Teria sido casado por alguns meses nos anos 50 com uma alemã. Em 1955 casou-se com Claire Douglas, que é a mãe de seus dois filhos -Margaret e Matthew. Os dois se separaram em 1967. Mas a vida nem sempre foi sigilosa. Nos anos 90, uma ex-namorada, Joyce Maynard, expôs a vida do autor em "Abandonada no Campo de Centeio" (Geração). Os dois teriam tido um romance nos anos 70, quando ela tinha 18 anos e ele, mais de 50.
Em 2000, sua filha lançou "Dream Catcher- A Memoir", relatando detalhes da sua vida.
Uma de suas últimas manifestações públicas foi em 1974, em entrevista ao "New York Times". Na ocasião, disse que "publicar é uma terrível invasão da minha privacidade".
Mas o exotismo é apenas uma faceta para um autor que moldou a literatura do pós-Guerra. "O Apanhador no Campo de Centeio" (Editora do Autor) tornou-se um best-seller instantâneo desde que foi lançado, em 1951. Virou a bíblia dos adolescentes.
O livro retrata Holden Caulfield, um rebelde expulso da escola que encarnava a alienação, a inocência e a fantasia. A obra lida com a afirmação juvenil e teve como contraponto o conformismo no pós-Guerra. Abriu caminho para a contracultura e para o elogio dos rebeldes.
A mitologia em torno do autor cresceu quando se divulgou que o assassino de John Lennon, Mark Chapman, carregava "O Apanhador" no dia em que cometeu o crime, em 1980.
Sua curta bibliografia inclui "Franny e Zooey" (Editora do Autor), de 1961, que reúne duas histórias longas sobre a saga da família Glass, núcleo que também inspirou "Carpinteiros, Levantem Bem Alto a Cumeeira & Seymour, Uma Apresentação", de 1963 (publicado pela L&PM, trad. Jorio Dauster).
Já "Nove Estórias", de 1953, teria influenciado nomes como Philip Roth e John Updike. Para muitos, essa coletânea (Ed. do Autor) era sua maior obra.
A última história do autor a aparecer foi "Hapworth 16, 1924", publicada em 1965 na revista "New Yorker".
O autor voltou aos noticiários em julho, quando conseguiu na Justiça a proibição da publicação de "60 Years Later" (60 anos depois), continuação não autorizada de "O Apanhador". O sueco Fredrik Colting usou um pseudônimo e retratou o personagem do livro 60 anos mais velho.

MARCOS STRECKER
FOLHA DE S. PAULO

Kleber

27 de janeiro de 2010

O cinema e a literatura enquanto fontes de pesquisa historiográfica



Quando pensamos em literatura e cinema diversas possibilidades nos vem a cabeça. Os usos das duas produções são variados, passando de entretenimento, diversão, ensinamento até questionamento. Como toda obra de arte a literatura e o cinema transmitem mensagens, carregam práticas e valores de quem os produziu.
O campo da História, principalmente a partir da década de 60, se expandiu e novas fontes são aceitas e estudadas para a pesquisa de infinitos objetos de estudo. Se antes prevaleciam os dados e documentos oficiais e, naquela época ditos verdadeiros e imparciais (como se a opinião de quem os produziu não imperasse), hoje o historiador se depara com inúmeras e diversas fontes para a realização de seu trabalho.
Dessa maneira, o cinema e a literatura entram em cena. Os filmes e os escritos são usados como fontes para percepção e análise histórica de questões que permearam as práticas deste espaço temporal. Como nos diz Benedito Nunes: "a leitura ficcionaliza a História. Em contrapartida, a leitura historiciza a ficção, na medida em que a voz narrativa histórica e a narrativa ficcional se interpenetram, sem se confundirem, pode-se concluir que as duas epistemologias, a da História-Ciência e a da História- Arte se complemenram na base do tronco narrativo comum que também une, como formas simbólicas similares do pensamento, História e Ficção."
É importante perceber como os autores traduziram esses aspectos em seus escritos. Os valores e ideais que permeiam essas obras são frutos da sociedade em que viviam, permitem que nós tenhamos acesso a uma pequena percela da realidade da época, e justamente por essas razões se constituem como fonte histórica de pesquisa, estreitando ainda mais o diálogo entre o cinema, a literatura e a história.


Amanda Cieslak.

24 de janeiro de 2010

O triunfo do ativismo


Robert Redford é lembrado normalmente por atuações em filmes como Quiz Show e o Encantador de Cavalos, ambos produzidos na década de 90. Sua filmografia como ator começou no inicio dos anos 60 e sua última atuação no cinema interpretando foi em 2007 com Leões e Cordeiros.

Paralelamente ao campo da atuação Redford dirigiu vários filmes, recebendo o prêmio de melhor diretor pelo filme Gente como a gente no Oscar de 1981.

O produtor de cinema francês Jean Jacques Beineix, disse certa vez, que o cinema não deve fazer só filme, ele deve se interrogar sobre a sociedade em que vive. Para um realizador e bom argumentista de cinema a citação por mais ortodoxa que seja se relaciona com um do projeto ativista de Redford.

Paralelamente aos sets de filmagem e casting de atores ele foi o idealizador do que se tornou o maior festival de filmes independentes dos Estados Unidos. O Festival de Sundance teve seu embrião a partir do Festival de Utah, inicialmente voltado para premiar os filmes que estavam à margem da produção milionária de Hollywood. A partir de 1985 agregado ao Instituto Sundance começou a receber películas estrangeiras na programação

Atualmente o festival é a maior vitrine de produções de filmes que não apresentam tanto o caráter vinculado ao comercial. Isso é um dos critérios do festival, que em edições passadas buscou valorizar os filmes independentes.

Na edição que começou no dia 21 de janeiro e se estende até o dia 31, os filmes selecionados são dispostos em duas categorias: competição de documentários e dramática. Sendo que os filmes estadunidenses concorrem apenas entre eles, enquanto o restante das produções é do cinema mundial. Chama atenção a submissão de trabalhos para serem exibidos em Sundance: Doc (EUA) – 16 de 862; Doc (MUN) – 12 de 782, Dra (EUA) – 16 de 1058 e Dra(MUN) – 14 de 1022.

O Brasil será representado pelo documentário Secrets of the Tribe do diretor José Padilha, que ao lado de Sins of My Father uma produção da Argentina e Colômbia são os únicos selecionados da América do Sul.

Certamente o ativismo de Redford é uma das marcas mais presentes em sua trajetória no cinema. Cinéfilos, produtores, atores e todos os envolvidos de certa forma com a sétima arte tem que agradecer ao ator pelo seu comprometimento com o cinema – seja atuando na frente ou atrás das câmeras.



Site oficial do festival: http://festival.sundance.org/2010/



Bruno Scuissiatto

20 de janeiro de 2010

A Onda


Na década de 60, na Califórnia, o professor de história Ron Jones aplicava o coneúdo referente a fascismo e Segunda Guerra Mundial e percebia uma forte incompreensão do que significou o nazismo e sua disseminação na Alemanha hitlerista e como a população pôde concordar com o massacre de judeus nos campos de concentração.
O professor, então, iniciou uma experiência de uma semana na qual ele e os alunos deveríam criar um grupo seguindo normas semelhantes à dos regimes fascistas. A autoridade do líder era indiscutível, criou-se uma polícia entre os alunos para vigiar os membros do grupo. Foi adotado uniforme, saudação, slogan e o grupo nomeado ‘A terceira onda’.
Discursando sobre como a união da terceira onda deveria se expandir para toda a sociedade e todo o país, corrigindo os problemas destas instâncias, Ron Jones conseguiu com facilidade fazer com que os alunos se acreditassem parte de uma comunidade ideológica. Em cinco dias o movimento chegou a agregar 300 adolescentes e já silenciava dissidentes com uso da força. Após alguns eventos violentos, Jones desmanchou a Terceira Onda e foi proibido de lecionar na rede pública.
Em 2009 esta história vem às telas adaptada para o cenário da Alemanha do século XXI, com seus problemas sociais específicos, tais como a imigração, a desfragmentação da família e de sua autoridade. Confrontando egoísmo com individualismo, democracia com comunidade, o filme retrata as crises da geração adolescente da década.
“A Onda”, do diretor David Gansel, mostra como heróis se tornam vilões em nome de ideais, como as pessoas precisam se sentir membros de uma comunidade, e invariavelmente desta resulta a exclusão. O filme também sugere que uma nova ditadura é, sim, possível a despeito da falta de ideais, de nacionalismo e identidade desta geração, e que seríam exatamente estas as causas de uma terceira onda.
Ana Elisa

17 de janeiro de 2010

Reflexos e reflexões

"- Quando eu uso uma palavra - disse Humpty Dumpty num tom escarninho - ela significa exatamente aquilo que eu quero que signifique ... nem mais nem menos.
- A questão - ponderou Alice – é saber se o senhor pode fazer as palavras dizerem coisas diferentes.
- A questão - replicou Humpty Dumpty – é saber quem é que manda. É só isso."
(Lewis Carrol, Alice Através do Espelho, Editoras Fontana/Summus, edição de 1977)


Depois que Alice perseguiu o coelho apressado e caiu no país das maravilhas, Lewis Carrol a conduziu ao país dos espelhos. Numa tarde em que jogava xadrez com uma de suas gatas, a garotinha passou através do espelho e penetrou em um novo mundo, que todos já pensamos em algum momento da vida...

Novamente a aventura da pequena Alice não para em uma simples contação de história infantil, a criação de Carrol nos leva a um universo de indagações lingüísticas, psicológicas e até políticas, o que atribui toda a riqueza à obra, além de problemas matemáticos e lógicos ocultos ao livro.

O país dos espelhos é a seqüência do país das maravilhas e é composto em torno de uma relação com o jogo de xadrez, em que as personagens também exercem esta relação: rainha vermelha, rei branco, cavaleiros.

Os acontecimentos são surreais, como é o caso de se correr muito e não sair do lugar, ou o de ir ao lado oposto do qual se encontra a pessoa para poder se chegar a ela. Com isto as noções de tempo e espaço se tornam imprevisíveis de tal forma que tudo pode acontecer de diversas maneiras, desde matar a sede com um biscoito a um bolo se partir sozinho.

A protagonista deseja se tornar rainha e para isto deve atravessar algumas casas para chegar então a oitava e ser coroada. A cada casa que percorre se depara com um tipo diferente de criatura, por assim dizer. Os irmãos Tweedle-Dee e Tweedle-Dum, Humpty Dumpty, entre tantos outros que nos obrigam a penetrar na sua lógica, ao mesmo tempo que nos divertem e nos fazem refletir.

Algumas personagens são reencontradas, pois já estavam presentes na primeira aventura de Alice enquanto outras são inéditas. A obra de Carrol é hoje representada de diversas formas, entre elas versos, filmes e teatro.

Enfim, a história pode e deve ser lida por todos os públicos sem medo desta jornada de auto-conhecimento em frente ao espelho. Fica aqui a sugestão deste clássico da literatura fantástica! Boa leitura!


Ana Carla Bellon

14 de janeiro de 2010

Memórias Póstumas em duas adaptações

É dispensável a apresentação de Machado de Assis e sua importância para nossa literatura. Suas maiores obras são de conhecimento geral, ao menos seus títulos, e adaptadas inclusive para a televisão.

Uma de suas obras famosas é Memórias Póstumas de Brás Cubas, em que Brás nos diverte com suas lembranças e críticas à sociedade, tanto pelo conteúdo como pela construção da narrativa, recheada de inovações na literatura, como a complexa figura do narrador, a utilização de capítulos curtos, a presença da metalinguagem, entre outras.

Justamente essas inovações contribuem para uma pitada de interesse no modo pelo qual elas seriam transpostas para o cinema. Sugiro aqui que se analise esses aspectos em duas delas: Memórias Póstumas do diretor André Klotzel, de 2001, e Brás Cubas, de 1985 e com direção de Júlio Bressane.



A adaptação do diretor Júlio Bressane torna-se de interpretação mais trabalhosa, por conta do caráter experimental da obra. Desde o início do filme, com uma cena de uma caveira sendo percorrida por um microfone, até seu desenrolar é possível perceber inúmeras relações diretas com aspectos que aparecem claramente no livro, “cobrando” a participação do espectador, semelhante a Machado.

Memórias Póstumas é uma recontagem do enredo do livro de inspiração que segue o texto de modo praticamente integral. O humor também é uma das características que destoam na apresentação do filme, que personifica o narrador, que chega até a interagir com os outros personagens em cena.



As duas adaptações possuem características diversas, uma vez que cada uma figura como uma leitura particular da história original. De qualquer forma, independente da que você opte por assistir, dê uma atenção especial para o modo como os aspectos que citei acima são apresentados.

Assistir aos filmes funcionará não apenas como um modo de não ler o livro, como se ouve por aí, mas sim como análise da relação entre cinema e literatura, o que com certeza acrescentará à você mais do que apenas substituir o livro pelo filme.


Katrym

12 de janeiro de 2010

AVATAR, de James Cameron


O sucesso do filme Avatar, já chamado de “romantismo idiota” por Luiz Felipe Ponde, em crítica do dia 28 de dezembro de 2009, na Folha de São Paulo, é compreensível. Trata-se de uma superprodução com todos os elementos grandiosos que arrastam multidões aos cinemas contemporâneos: oposição simplista entre o bem e o mal, um herói dividido entre o interesse e a honra, o amor dificultado pelo fato de os amantes pertencerem a espécies diferentes, entre outros clichês que, quando bem tratados, realmente são deliciosos.

Mas há algo mais, uma certa inquietação criada por uma potencialidade real. E se imaginarmos possível que um paraplégico construa para si, por meio da mais alta tecnologia biológica, um corpo perfeito e saudável? Isso nos leva ao mote mais criativo do filme: para enfrentar o planeta Pandora, seus perigos e seus nativos, os humanos, altamente desenvolvidos no plano da ciência e da técnica, criam em laboratório o que se chama aí de “avatar”, corpos compostos pelo DNA dos nativos do planeta Pandora combinado com DNA humano. É, eu sei, é de arrepiar. Para esses corpos perfeitos, ágeis e fortes, é transportada a consciência dos humanos, que a partir daí estarão prontos a entrar em Pandora e buscar, ora um acordo comercial – há uma riqueza mineral sob o solo de Pandora que muito interessa aos humanos – ora a promoção de um massacre necessário para que a coisa toda saia mais fácil.

Estamos realmente diante de um enredo altamente pós-colonial. Entendendo pós-colonial como um conceito capaz de dar conta das narrativas em que os colonizadores se dão mal. Como os nativos de Pandora são super gente boa, antenadíssimos com a natureza e sua misteriosa força do bem, é claro que os humanos malvados serão expulsos pelos nativos, mas só depois de alguns humanos, esses do bem, cederem sua inteligência e sagacidade à causa nativa. Tudo isso se dará por meio da moralidade do amor, pois o herói, Jake Sully, vai se apaixonar pela nativa que o salva de um primeiro ataque das feras de Pandora e, penalizada, o leva até seu pai, o chefe da tribo local (temos aí uma relação intertextual inegável com o romance Iracema, de José de Alencar). Creio que o roteirista do filme é um usuário do site estante virtual, portanto pôde adquirir o clássico brasileiro facilmente e nele se inspirar.

Disso tudo concluímos que a natureza é boa, a maioria dos humanos é má, muito má, embora alguns sejam bons, e os habitantes de outros planetas são bons também, desde que nesses planetas se manifeste a força da natureza que, pelo visto, é interplanetária.

Mas voltemos à inquietação citada acima, o mote de “avatar” é a possibilidade de abandonar o corpo falho e fraco e criar um outro, maior, mais saudável, mais forte e mais bonito. O transporte para esse corpo se dá por escolha consciente, o que nos afasta de Matrix... A literatura e o cinema sempre nos deram a possibilidade de subir sempre e novamente ao cavalo magro de D’Artagnan e irmo-nos às aventuras, mas em Avatar a proposta é literal e há um ladinho da nossa mente que fica pensando que com toda essa tecnologia que há por aí talvez isso seja mesmo possível em breve! Claro, se a indústria estética, não a artística, não se apropriar antes dessa tecnologia para resolver problemas de celulite e gorduras localizadas.


Silvana Oliveira


11 de janeiro de 2010

Persépolis


Persépolis é uma animação francesa de 2007 baseada na série de quadrinhos homônima de Marjane Satrapi, na qual ela relata sua vida e de sua família antes e após a revolução Iraniana de 1979.

Criada em um lar liberal com pais cultos e modernos, passa a testemunhar a mudança do poder no Irã, com os abusos, restrições e o desaparecimento rotineiro de membros da família e entes queridos. Com a repressão cada vez mais severa, seus pais decidem mandá-la para a Áustria. Em Viena, Marjane com 14 anos passa a se envolver com a contracultura e sente a liberdade que o regime Aiatolá a privava em Teerã.

Embora trate de revoluções e guerras, Persépolis é um filme agradável, com humor e com um visual bonito. O fato de o filme ser em preto e branco o deixa sombrio em alguns momentos, o que não impede que o espectador se envolva na cativante história.

Persepolis foi escolhido pelo governo francês para representar o país na disputa ao Oscar de melhor filme estrangeiro e, apesar de não ter sido indicado na categoria, foi um dos três indicados ao prêmio de melhor filme de animação, mas acabou perdendo para Ratatouille.


Kleber Bordinhão

6 de janeiro de 2010

CÂNDIDO OU O OTIMISMO.


CÂNDIDO OU O OTIMISMO

Voltaire, em sua obra Cândido ou o otimismo narra a história de Cândido, um rapaz que como o próprio nome traduz se caracterizava por ser ingênuo e crente. Cândido depois de expulso de onde morava, o lindo castelo de Thunder-ten-tronckh em Vestfália, percorreu o mundo e se deparou com o horror, a maldade, e o sofrimento humano.
Quando ainda morava no castelo e, de certa forma estava protegido do mundo além de seus muros, Cândido aprendeu a perceber as coisas conforme lhe ensinou o doutor Pangloss, sábio conhecedor do mundo e da filosofia. Para Pangloss o mundo em que viviam era o melhor dos mundos possíveis, o mal era um elemento necessário para o desenvolvimento do todo e o sofrimento muitas vezes era justificável visto que era um dos males necessários para se atingir o progresso.
Cândido, depois de tantas surpresas e sofrimentos tornou-se descrente em relação às idéias de seu mestre. Após presenciar guerras, calamidades, ilusões, ganância e os piores sentimentos e ações dos homens começou a não acreditar mais que aquele poderia ser o melhor dos mundos possíveis, percebeu que o otimismo do doutor Pangloss sustentava que tudo está bem quando tudo está mal. O sentimento de conformismo não lhe cabia mais.
A partir deste momento Cândido começou buscar respostas a essas inquietações observando como as pessoas agiam em relação a essa questão. O que deveria ele fazer? Sentir todos esses problemas? Fazer de conta que eles não existiam? Ser indiferente?
Um dia encontrou um senhor na sua propriedade de terra com sua família e concluiu que aquele homem era feliz. Este lhe disse: Afaste os vícios e trabalhe sem filosofar, esta é a única forma de tornar a vida suportável. Neste momento Cândido percebeu que de nada adiantaria tentar entender a explicação para todas as coisas e para o sofrimento, mas em vez disso cultivar seu jardim da melhor maneira possível.
Voltaire, com esta história discordou do sistema desenvolvido por Leibnitz, de que este é o melhor mundo possível que Deus poderia ter construído. É uma crítica a idéia construída de que o mundo em que vivemos, é o melhor dos mundos possíveis. E que se existisse algo melhor não estaríamos desta maneira. Que todas as calamidades (sejam elas de qualquer natureza) são justificáveis visto que estamos progredindo. É um balde de água fria ao conformismo. Não é necessário conhecer e explicar todas as coisas e o mundo para que este se torne melhor. Esta é uma tarefa impossível. O autor conclui que, acima de tudo, o essencial é cultivar bem seu próprio jardim, ou seja, tudo e todos que estão ao seu redor.


Amanda Cieslak.

3 de janeiro de 2010

O Helter Skelter de Charles Manson



Certos filmes usam e abusam do referencial verdadeiro para construir suas narrativas. Helter Skelter (2004) do diretor John Gray não é diferente. Baseado nas histórias relatadas no livro de Vincent Bugliosi, que foi o promotor responsável pelo processo criminal no qual todos os participantes da família Manson orientados pelo mentor Charles acabaram condenados. Inicialmente vinculado a televisão americana em episódios, foi lançado no Brasil em 2004 no formato película.

O mosaico histórico é muito forte, cenas e colagens de fotografias sobre a efervescência cultural principalmente com os avanços americanos e a ousadia transgressora dos jovens são recorrentes na narrativa. Concomitantemente acontecem explorações de assuntos relativos com a religião e o fim do mundo. Charles Manson se auto-intitula “Jesus Cristo” e aliado ao talento de sua persuasão musical começa a reunir vários jovens em um rancho na Califórnia. Estes todos acabam incumbidos em desenvolver o Helter Skelter que seria o fim do mundo, segundo a teoria de Manson.

Com a carreira musical impossibilitada no meio musical de Hollywood, quando conseguiu apenas lançar um único single, aumentando o seu desequilíbrio psiquiátrico de fracassado rock star. Dentro de uma estética realista o filme consegue mostrar a influência dos crimes praticados por eles como uma vitória sobre a classe artística americana uma espécie de vingança contra aquela sociedade que lhe negou a oportunidade na carreira musical. Entre os crimes bárbaros contra celebridades o mais terrível certamente foi de Sharon Tate, esposa do cineasta Roman Polanski, que estava grávida de oito meses do primeiro filho do casal e acabou assassinada por dezesseis facadas. Outros crimes aconteceram com a orientação de Manson, e um traço característico dos crimes eram inscrições agressivas com o sangue das próprias vítimas na parede ou em objetos – “porcos safados” e a inscrição do próprio movimento – Helter Skelter. Após sucessivas investigações chegou-se a conclusão que todos os crimes que abalaram os Estados Unidos eram de autoria do bando dos Manson.

O próprio promotor responsável pela produção do filme e autor do livro que detalhou os acontecimentos praticados pela família Manson, relatou: O caso Manson foi e continua a ser único, mas não é o número de vítimas que o torna diferente e fascinante e sim os diversos outros elementos para os quais não há provavelmente nenhum paralelo: a preeminência das vítimas, os meses de investigação, o terror que dominou uma grande cidade, o motivo inacreditavelmente estranho dos assassinatos, a relação entre os Beatles e os crimes, a manipulação de um guru sobre seus seguidores de forma a não deixar nenhum traço de remorso após a execução de crimes tão bárbaros. Todos estes fatores se combinam para fazer de Manson o mais terrível assassino da história americana.

Partindo para uma análise do formato fílmico temos em Helter Skelter uma produção pautada na narrativa de flashbacks, principalmente na restituição dos crimes. Outros pontos positivos para a produção de Gray é a não exploração da violência como um produto banal apenas para agradar um público que tem preferência por este tema.

A história de Charles Manson ainda pode render outras manchetes para retratar sua vida no cinema. Inclusive, hoje com 74 anos pode sair penitenciária em breve.



Bruno Scuissiatto