11 de janeiro de 2009

O (Des) Acordo Gramatical

 

Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal

Fado Tropical
Chico Buarque e Ruy Guerra

 

     O fragmento acima do poema “Fado tropical” de 1972, fruto da parceria entre Chico Buarque e o moçambicano Ruy Guerra, é uma referência a então recém deflagrada revolução dos cravos, movimento que livrou Portugal de uma sangrenta ditadura militar. Os autores referem-se à esperança de que o Brasil também se livrasse dos militares que ainda detinham o poder na Terra Brasilis.

     Foi nessa letra de música que lembrei quando surgiram as primeiras discussões sobre o acordo ortográfico. Lembrei porque uma das críticas vindas além mar sobre o acordo é justamente o contrário do que diz a letra,ou seja, alguns portugueses se queixam, alegando que a reforma os impõe um português “abrasileirado” apoiados no fato da reforma atingir três vezes mais palavras na ortografia lusitana do que na nossa.

     Há 36 anos os brasileiros queriam “aportuguesar” nosso governo, evidente que as esferas da política e da língua são diferentes, porém é curioso notar que o desejo por melhoras não afetava a nacionalidade brasileira, não era vergonha nenhuma para o povo brasileiro tomar uma atitude ou até mesmo pensar como os portugueses.

     O que chama atenção nas críticas vindas de Portugal em relação ao acordo é o notório orgulho lusitano e o sentimento de proprietários da língua. Alguns portugueses sentem se feridos por terem que adotar novas grafias “impostas” pelo Brasil, num pensamento de pura nostalgia: o orgulho da metrópole está (ou “esta”?) sendo ferido, a colônia insolente está se rebelando através da língua!

     Talvez o caráter romântico, muitas vezes físico de alguns escritores e poetas portugueses em relação à língua motivem esse ciúme às mudanças propostas pelo Brasil. Em 1911, Fernando Pessoa não gostou nem um pouco da reforma ortográfica unilateral que Portugal realizou, em relação à mudança de “cysne” por “cisne” ele disse: “Vou continuar a escrever com y, porque me lembra o pescoço do animal”. Manifestações como essa ainda existem quase cem anos depois, contudo não são desculpa para reações tão passionais e ufanistas que de quebra, ainda deixam a vista certo ar de mágoa antiga da nossa Terra de Santa Cruz.

     O único escritor de língua portuguesa a receber um prêmio Nobel de literatura, o Português José Saramago manifestou-se da seguinte forma: “Já fui contra, porém o Brasil tem um papel fundamental nesse cenário, o que me levou a mudar de idéia foi o problema da escrita. Se o português quer ganhar influência no mundo, tem de apresentar-se com uma grafia única. O Brasil tem no contexto internacional uma presença que nós [portugueses] não temos.”

     Todos têm o direito de expressar sua opinião no contexto do tema e sobre a sua necessidade, o problema é que a discussão sobre a reforma ortográfica está saindo do domínio gramatical e transformando-se em um arranca-rabo (ou arrancarrabo?) de egos patrióticos. E por falar em patriotismo, se tivessem dado ouvidos a Policarpo Quaresma, estaríamos brigando (ainda mais) com os índios pela soberania do Tupi-Guarani?

 

Kleber Bordinhão

5 comentários:

Angelis disse...

Será que havia mesmo a necessidade de um novo acordo ortográfico ou isso vai piorar ainda mais a situação da (re) alfabetização de nossos alunos? Não é raro encontrarmos pessoas nas ruas, inclusive professores, que não sabem nada sobre a reforma, não sabem que continuaremos a pronunciar as palavras como já as pronunciávamos e pensam que simplesmente não haverá mais acentuação na nossa língua.

De qualquer forma, concordo com a fala de José Saramago no que diz respeito à língua ganhar mais destaque devido a esta reforma.

Se vale uma sugestão: assistam ao documenário "Língua - vidas em português" (Vitor Lopes, 2001). Tenho certeza de que será, no mínimo, interessante.

tiresias38 disse...

O Filme "Vidas em Português" é maravilhoso mesmo e faz uma coisa que nenhuma dessas reformas, embora anunciem que farão, nunca fizeram: mostrar a língua portuguesa como um universo dialógico, rico, plural e ao mesmo tempo extremamente relacionado, histórica e culturalmente!

Angelis disse...

Já leram "A literatura contra o efêmero" do Umberto Eco, não é?

Lembrei de um trechinho, que transcrevo: "A língua, por definição, vai para onde ela quer, nenhum decreto superior, nem político nem acadêmico, pode interromper seu caminho nem desviá-lo para situações que se pretendem ótimas."

Quem não leu pode ler aqui:http://www.geocities.com/Athens/Olympus/3583/eco.htm

Anônimo disse...

Concordo quando diz que a reforma está se tranformando em brigas patrióticas e sobre a importância de nossa língua ganhar mais destaque. Porém, penso também nos alunos e até mesmo em toda a população. Se já não era raro encontrar muitos com dificuldades no uso do Português, como vai ser agora com o novo acordo? Acredito que as dúvidas acerca da acentuação, pronúncias, hífen ou não, etc...) acabam continuando as mesmas, com ou sem o acordo.

Bruno Scuissiatto disse...

O Bechara disse certa vez em uma entrevista - "quando não se tem mais o que falar, falamos da reforma ortográfica". Talvez, esta afirmação tivesse sentido até tempos atrás, à partir de agora, acabou! Se ela é política, se é para fortalecer a língua, aos poucos vamos descobrir. Espero somente que a reforma venha beneficiar a nós todos. Difícil será esquercer os acentos e banir alguns hífens!