29 de dezembro de 2010

O LOBO INTERIOR


A famosa obra O Lobo da Estepe que consagrou o escritor Hermann Hesse como um dos maiores romancistas do século passado é inovadora e audaciosa. Publicada pela primeira vez em 1927, o livro do escritor alemão se utiliza em argumentos das descobertas de Sigmund Freud.

Suas estratégias fazem com que ouçamos atentamente nosso lobo interno ecoando nos ouvidos. Perturbador e profundo, conta a história em primeira pessoa de Harry Haller em manuscritos deixados por um vizinho seu. Por falar em manuscrito, o prefácio é escrito pelo então vizinho de Harry que se faz editor e aponta atentamente para a veracidade dos fatos que serão exibidos, estratégia que dialoga com o leitor e tenta apimentar e confundir o menos atento da veracidade do conteúdo ali exposto.

O livro é dividido em três partes. A primeira, e já mencionada, é o prefácio do editor, a segunda Anotações de Harry Haller -só para loucos na qual Harry inicia a sua narrativa de um curto período de sua vida em que esteve vivendo naquele apartamento vizinho do então “editor”. O comentário escrito abaixo do titulo “só para loucos” não é por acaso, pois Harry é visto e interpretado naquela sociedade como louco, já que tenta fugir insistentemente do modo burguês de se viver. E eis outra característica forte desta obra: a denuncia à sociedade burguesa, as criticas feitas são ferozes e irônicas.

Sua narrativa misteriosa e inusitada segue até que encontra, o que então intitularemos de terceira parte, o Tratado do Lobo da Estepe, no qual encontra um tratado sobre sua própria pessoa e modo de ser, fato que o deixa, no mínimo instigado.

Além das denuncias à sociedade burguesa e de todas as fortes qualidades da obra que a aponta como literatura de qualidade, o enredo traz ainda reflexões profundíssimas como a questão da existência de inúmeros seres dentro de uma única individualidade, do lado lobo do homem, questões filosóficas ainda sobre música, sobre comportamento humano, liberdade.

Algumas edições mais recentes trazem em anexo uma nota do autor, na qual o autor expõe sua preocupada opinião sobre as interpretações do livro, abaixo transcrevo, polemicamente, um trecho da opinião do autor no qual fala de sua “pretensão”:

“Mas, entre leitores da minha própria idade, também tenho encontrado com freqüência alguns que – embora bem impressionados com o livro – só percebem estranhamente apenas uma parte do que pretendi. Tais leitores, ao que me parece, reconheceram-se no Lobo da Estepe, identificaram-se com ele, sofreram suas dores e sonharam os seus sonhos; mas não deram o devido valor ao fato de que este livro fala e trata também de outras coisas, além de Harry Haller e de seus problemas, que fala a propósito de um outro mundo mais elevado e indestrutível, muito acima daquele em que transcorre a problemática vida de meu personagem. O Tratado do Lobo da Estepe e outros trechos do livro que versam questões do espírito abordam assuntos de arte e mencionam os “imortais”, opõem-se ao mundo sofredor do Lobo da Estepe com a afirmativa de um mundo de fé, sereno, multipersonalístico e atemporal. O livro trata, sem duvida alguma, de sofrimentos e necessidades, mas mesmo assim não é o livro de um homem em desespero, mas o de um homem que crê.

É claro que não posso nem pretendo dizer aos meus leitores como devem entender a minha historia. Que cada um nele encontre aquilo que lhe possa ferir a corda intima e o que lhe seja de alguma utilidade! [...]”

Fica a dica, mas lembrem-se: 1) Só para loucos e 2)cuidado com o Lobo da Estepe!

Ana Carla Bellon

Ref. HESSE, Hermann. O Lobo da Estepe. Trad: Ivo Barroso, ed: Record, 15° edição, 1995.

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