20 de dezembro de 2009

Boca do Lixo: A Hollywood dos pobres

No final da década de 60 até o início dos anos 80 existiu em São Paulo, A Boca do Lixo, localizada na Rua do Triunfo, esquina com Rua Vitória no bairro de Santa Ifigênia, “A Boca” como era chamada por seus freqüentadores, foi um pólo da produção cinematográfica brasileira.

Com a criação da lei de obrigatoriedade de exibição de filmes nacionais em 1968, criou-se uma enorme demanda por filmes nacionais. O governo criou então a Embrafilmes, instrumento de incentivo do estado, mas que apenas financiava a elite do Audiovisual, à margem do financiamento estatal e preenchendo uma lacuna por filmes populares, surgiu a Boca do Lixo.

As produções eram filmes B, embora tenha ficado relacionada ao gênero da pornochanchada, na Boca eram produzidos faroestes, cangaços, kung-fus, melodramas e aventuras de segunda linha. Os produtores eram comerciantes, donos de postos de gasolina, ou qualquer pessoa que interessasse por filmes e que tivesse dinheiro e o público eram os trabalhadores das classes mais populares.

Roteiristas, produtores, técnicos e atores freqüentavam a rua Triunfo, mais especificamente o lendário Restaurante/bar chamado Soberano. Era o ponto de encontro, lá fechavam contratos, surgiam roteiros de última hora, e simples operários tornavam-se ilustres figurantes. Por ficar próxima às estações rodo e ferroviária da Luz e contar com uma rede de casas e hotéis baratos, a Boca era uma região de passagem, aglomerando toda espécie de malandro e jogados à sorte que se possa pensar, esses tipos eram a mão de obra e muitas vezes as mentes criativas das produções.

Entre 1970 e 1980 a média de produção de filmes nacionais era de 90 filmes por ano, a Boca do lixo era responsável por 40% disso, ou seja, o cinema marginal disputava o mercado com a elite do cinema brasileiro.

No início dos anos 80 juntamente com os últimos anos da ditadura, teve começo a decadência da Boca. Com a abertura do regime, a lei de obrigatoriedade da exibição de filmes nacionais teve um abrandamento, muito por pressão de distribuidoras internacionais. Outro motivo foi o gosto do público, entrando em contato com outros gêneros e tecnologias, e com o início dos blockbusters, as pessoas deixaram de prestigiar a produção nacional, fato esse que só veio a ter alteração há pouco tempo.


Esta noite ou nunca

ou A maldição da Rua Triunpho


Uma boa dica para quem quiser saber mais sobre este capítulo do cinema brasileiro o livro “Esta noite ou nunca ou A maldição da Rua Triunpho” do escritor paulistano Marcos Rey, publicado em 1985. Irônico, patético, mordaz e ao mesmo tempo realista e romântico: a história de um escritor marginalizado pelas censura e ditadura, que para sobreviver acaba se tornando um roteirista de filmes de pornochanchadas na Rua do Triunfo, a subdesenvolvida Hollywood dos anos 70.

Marcos Rey inspirou-se em sua própria experiência para recriar com muito estilo o clima maldito dos cenários e personagens daquela época: atrizes sexys, diretores de filmes, salas de cinemas, falsos moralistas, pseudos-intelectuais, detetives, homens-bala, doleiros, agentes da repressão, strippers, escoteiros, a Boca do Lixo, as boates da Vila Buarque. O personagem narrador do romance é o roteirista, e além de nos conduzir por sua história maldita, também explica como construir bons roteiros de comédias daquele gênero de filme. Em suma, uma curtição literária cinematográfica para quem se fartou do comedidos das velhas receitas. Um tema sério como o de “Esta noite ou nunca”, quase trágico, permite essas coisas. Só o superficial tem de ser obrigatoriamente sisudo.


Kleber Bordinhão

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