21 de março de 2010

As sombras da leitura


Duas pequenas placas de argila, encontradas em Tell Brak, na Síria, de quatro milênios antes de Cristo (com um entalhe arqueológico que simboliza o número 10, além dos desenhos de animais) é um dos exemplos mais antigos de escrita que conhecemos. Alberto Manguel, em seu livro “Uma história da leitura”, nos traz um traçado sobre a leitura e diversos capítulos que encantam àqueles que se encantam com ela. Cada pessoa “encontra aqui certos fragmentos de sua própria experiência: o encantamento com o aprendizado da leitura, a leitura compulsiva de tudo, o prazer solitário de ser amigo do peito de Simbad, o Marujo (...)” e muito mais.

Em Leitura das Sombras somos levados aos primórdios da leitura e da escrita, em que dois pedaços de argila expressam a mensagem de alguém deixado há tantos milhões de anos, a imortalidade da mensagem e até do próprio pensamento de um pensador já não mais pensante, no tempo em que “os desertos eram verdes”.

Essa imortalidade encontramos constantemente na literatura, lemos clássicos escritos há décadas, por autores que já não escrevem mais, mas que nos permitem viver e reviver o seu pensamento através da leitura de sua escrita. Este fenômeno, por que não dizer, emocionante as vezes é esquecido ou não lembrado pelos leitores, quem sabe com ele a leitura ficaria ainda mais saborosa.

O capítulo das sombras traz ainda teorias sobre o processo da leitura, que começa pelos olhos, o mais agudo dos sentidos para Cícero e o ponto de entrada para o mundo para Santo Agostinho. O processo que chamamos leitura possui várias teorias que começa em Empédocles, no século V a.C., até os dias de hoje. Mas ficam apenas na teoria, pois “misteriosamente, continuamos a ler sem uma definição satisfatória do que estamos fazendo”, ler é um belíssimo mistério.

Alguns praticam diariamente este ato inexplicável e alguns nem sequer se dão ao trabalho de fazê-lo, sem saber o tamanho do poder que têm nas mãos. Você participa de um ritual ainda mais misterioso e magnífico, o de ler sobre a leitura. A leitura é um ideal de liberdade e é “a mais civilizada das paixões”.



MANGUEL, Alberto. Uma história da leitura. – São Paulo: Companhia das Letras, 1997.


Ana Carla Bellon

1 comentários:

Saulo disse...

O mesmo "problema" - se é que podemos chamar assim - acontece na História. Olhamos o mundo através dos nossos valores e não nos preocupamos em entender o contexto da situação. Acredito que com a literatura ocorre a mesma coisa. Temos, muitas vezes, preconceito com os canônes, mas não vemos o quanto é magnífico esse processo de leitura.
Parabéns pelo texto.